Desculpa, mas não encontramos nada.
Desculpa, mas não encontramos nada.
Lendo: Nuvens negras sobre Vincenzo Vecchi
As mobilizações de Génova contra o G8, em 2001, foram alvo duma repressão enorme, inclusivamente condenada pelo Tribunal Europeu dos Direitos Humanos, que comparou as acções policiais a «actos de tortura» e que condenou o Estado italiano por não ter sequer identificado os responsáveis e os protagonistas da violência policial. As rusgas aos locais de abrigo e centros de média dos manifestantes (as Escolas Pertini e Diaz) ficaram famosas pela sua brutalidade, mas talvez a maior marca desse terror oficial tenha sido o assassinato de Carlo Giuliani. Nessa sua saga repressiva, o Estado italiano não se poupou em violências e detenções.
Vincenzo Vecchi, um anarquista italiano, foi uma das vítimas desse processo e foi condenado, já em 2009, a doze anos e meio de prisão pelo crime de «devastação e pilhagem», crime introduzido pelo Código Rocco de 1930, que permite a condenação sem necessidade de prova de culpa concreta: basta estar presente no local onde decorre a manifestação para que a condenação seja possível, mesmo sem qualquer prova de participação directa nos actos pelos quais se é acusado.
Vincenzo foi condenado apenas por se encontrar «na proximidade» de um banco e de um veículo vandalizados.
Dois mandados de detenção europeus (MDE) pendiam sobre Vincenzo. Um pela tal manifestação de Génova, de 2001, e outro, sujeito a uma pena de 4 anos, relacionado com a participação numa manifestação antifascista contra o partido Fiamma Tricolore, em Milão, em 2006. Vincenzo foi condenado apenas por se encontrar «na proximidade» de um banco e de um veículo vandalizados e, para evitar cumprir essas penas, procurou refúgio em França (em 2011).
No dia 8 de Agosto de 2019, foi detido pela polícia francesa e levado para o centro de detenção de Vezin-le-Coquet, perto de Rennes, onde deveria esperar extradição para Itália. Durante meses, o tribunal de Rennes não outorgou essa extradição, considerando que os documentos fornecidos pelo Estado italiano eram insuficientes ou deficientes. Finalmente, a 15 de Novembro, o Tribunal da Relação de Rennes (Cour d’appel de Rennes), ao detectar «irregularidades no processo de execução» em França do MDE emitido pela Itália, decidiu que Vincenzo Vecchi deveria ser posto em liberdade. Como houve recurso, esta decisão teria de passar para o Supremo Tribunal de Justiça (Cour de cassation). Mas, para já, Vincenzo Vecchi estava fora da prisão. «Saí, mas não estou livre» foram as suas palavras premonitórias.
De facto, a 18 de Dezembro de 2019, o Supremo Tribunal anulou a sentença do Tribunal de Rennes e Vincenzo teve de se apresentar novamente a julgamento, no dia 2 de Outubro de 2020, em Angers. Aí, já a 4 de Novembro, o Tribunal da Relação recusou extraditá-lo, por julgar não poder executar o MDE emitido pela Itália, uma vez que a pena principal de 10 anos de prisão em que Vincenzo incorria, por «devastação e pilhagem», não tem equivalente em França. Dias depois da aparente vitória de Vincenzo Vecchi, o procurador de Angers decidiu recorrer da decisão com base no delito de «organização criminosa», uma acusação que não constava do MDE emitido pela Itália.
A 26 de Janeiro 2021, o Supremo Tribunal rejeitou o recurso do procurador, validando assim o facto de a defesa ter, desde o início, colocado questões pertinentes e legítimas, como havia já sido confirmado pelos Tribunais da Relação (cours d’appel) de Rennes e Angers. Por outro lado, acabou por solicitar ajuda ao Tribunal de Justiça da União Europeia (TJUE) por causa da complexidade jurídica do caso e adiou uma sentença definitiva.
O dia 14 de Julho de 2022 trouxe más notícias para Vincenzo. Nesse dia, o TJUE considerou que os MDE emitidos por Itália deveriam ser executados. De acordo com o TJUE, o facto de uma parte (neste caso, de longe, a maior parte) do crime pelo qual Vincenzo foi condenado em Itália ser estranha à lei francesa não deve ser tido em conta pelo sistema judicial desse país. Um novo «julgamento final» ficava, assim, marcado para 11 de Outubro, no Supremo Tribunal de Justiça (cour de cassation), em Paris. Nesse dia, Paul Mathonnet, na alegação de defesa, colocou uma QPC (Questão Prioritária de Constitucionalidade), lembrando que «o país que executasse o Mandado de Detenção Europeu caucionaria uma lei mussoliniana». A decisão ficou marcada para 29 de Novembro, altura em que o Tribunal decidiu rejeitar a QPC e reenviar o assunto para um terceiro Tribunal da Relação, desta vez de Lyon.
Em reacção, o Comité de Solidariedade com Vincenzo Vecchi, escreveu o seguinte: «o Supremo Tribunal alinha-se com o TJUE, não aproveita a oportunidade para iniciar um debate com este último e para dar a oportunidade ao Conselho Constitucional de exercer a sua jurisdição. Torna, assim, obsoleto o acórdão de Angers de Novembro de 2020 e, implicitamente, deixa ao Tribunal da Relação de Lyon a responsabilidade de executar o MDE e, consequentemente, a entrega de Vincenzo a Itália».
Uma discussão sobre a não existência dum estatuto de «refugiado político» entre estados-membro da União Europeia vê uma oportunidade perdida. Do mesmo modo, os fundamentos dos MDE, cujo único objectivo parece ser acelerar o processo de repressão em detrimento das liberdades individuais, ficaram por discutir. A possibilidade de uma lei fascista de um Estado poder irromper abruptamente no espaço de outros Estados ficou também fora de agenda. E, pior, Vincenzo, em fuga duma sentença injusta desde 2009, num ping-pong desumano desde a sua detenção em França, em 8 de Agosto de 2019, vê a sua vida continuar em suspenso, ensombrada por nuvens bem negras.
Actualização:
Já no início deste ano, o Comité de Apoio a Vincenzo Vecchi antecipava o arrastar do processo e lançava um apelo de auxílio financeiro que permita continuar a acompanhar e defender Vincenzo: «Não sabemos quando se realizará a audiência, mas será nas próximas semanas. O que sabemos quase de certeza é que, se este Tribunal de Recurso decidir a favor de Vincenzo Vecchi, tal como os dois tribunais anteriores (Rennes e Angers), e decidir não o entregar às autoridades italianas, o procurador recorrerá desta decisão; inversamente, se o Tribunal de Lyon decidir contra Vincenzo, iremos recorrer para o Supremo Tribunal. Estas duas sessões jurídicas em perspectiva serão dispendiosas e as vossas possíveis contribuições financeiras serão mais do que bem-vindas».
As contribuições podem ir de duas formas:
– Enviar um cheque a Mme. COAT Michelle ou a Mme. REBILLAT Danielle para:
Café de la Pente – 9 rue du vieux bourg – 56220 Rochefort en Terre, France.
Por favor, escreva no verso do cheque CSV (para Comité de Soutien à Vincenzo).
– Se tiver uma conta PAYPAL, faça uma transferência para um dos dois endereços de correio electrónico seguintes:
d.rebillat@gmail.com ou coatmichelle@wanadoo.fr
Artigo publicado no JornalMapa, edição #36, Dezembro 2022|Fevereiro 2023.
Notícias anteriores:
– As revoluções não se fazem com ramos de flores
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– Caso Vecchi: o folhetim continua
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– 29 de Novembro – mais uma data fundamental para Vincenzo Vecchi
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