
Desculpa, mas não encontramos nada.
Desculpa, mas não encontramos nada.
Lendo: Uma loja de portas abertas para um comércio justo
Filipe Nunes: Qual é a continuidade dos valores do CIDAC, criado em maio de 1974 após o percurso da resistência clandestina anti-colonial, e o projecto da Loja de Comércio Justo que hoje celebra 10 anos?
CIDAC: É verdade que o primeiro nome do CIDAC era Centro de Informação e Documentação Anti-Colonial [atualmente Centro de Intervenção para o Desenvolvimento Amílcar Cabral], tendo as suas origens no Grupo do BAC (Boletim Anti-Colonial), que operava na clandestinidade antes do 25 de abril. Seguiu-se a luta pela independência de Timor-Leste, e hoje ainda, reúne na nossa sede a Associação Amizade Portugal-Sahara Ocidental – AAPSO, herdeira de um coletivo criado em 1976 no âmbito do CIDAC, o Comité Português de Apoio à Frente POLISARIO.
Às lógicas de dominação colonial, substituíram-se lógicas de dominação neocolonialista, outras roupas para a manutenção da exploração dos recursos naturais e dos povos ao serviço dos mesmos interesses. No final dos anos 1990, vimos no Comércio Justo uma via para, à nossa muito humilde escala, contrariar o modelo predador do comércio internacional através de práticas que colocam a dignidade humana, a emancipação das comunidades de produtores e produtoras e o respeito pela natureza à frente dos processos de acumulação e de dependência, com Nestlé, Unilever ou o FMI no lugar dos velhos impérios.
Semear o que se come, trocar sementes (Semeteca do CIDAC).
Como se posiciona ou se articula a Loja de Comércio Justo no leque crescente de alternativas de redes de produtores e consumidores, desde as AMAP, CSA ou das Cooperativas Integrais?
A nossa abordagem inicial do Comércio Justo situava-se exclusivamente no quadro dos fluxos de poder e de mercadorias entre o Sul e o Norte geopolíticos, mas evoluiu rapidamente assumindo que as dinâmicas de exploração dos produtores e produtoras eram as mesmas no centro ou nas periferias, com incidências mais ou menos dramáticas sobre a vida das pessoas em função das capacidades locais em enfrentar os danos da economia globalizada. Assim, desde a abertura da loja em 2011, estabelecemos relações com produtores e produtoras nacionais de pequena escala, no campo alimentar ou do artesanato, familiares ou organizados em cooperativas, numa lógica de complementaridade entre a oferta nacional e internacional. Em 2012, abrimos as nossas portas a uma iniciativa de venda direta de cabazes, inserida no dispositivo Prove, que se mantém até aos dias de hoje e abastece cerca de 100 famílias semanalmente. Nos dois últimos anos, no quadro do Festival UMUNDU, co-organizamos conversas com grupos de consumo como a Bela Rama ou com a rede de AMAP Regenerar, centradas na questão do lugar do Comércio Justo internacional no consumo auto-organizado. Fazemos também, ocasionalmente, compras conjuntas de café de comércio justo da Nicarágua com a cooperativa integral Minga, em Montemor-o-Novo. Uma das nossas preocupações é que o princípio da solidariedade internacional, que sustenta uma parte significativa da nossa visão do Comércio Justo não fique, de uma certa maneira, sacrificado no altar de um “localismo” exacerbado. Há, sem sombra de dúvida mais justiça social, económica e ecológica num pacote de café nicaraguense da cooperativa Espanica do que alguma vez haverá numa garrafa de azeite nacional oriunda da olivicultura super-intensiva.
O CIDAC e as produtoras dos cabazes PROVE, Judite e Justina Silva, organizaram uma visita às suas explorações agrícolas em Brejos do Assa, Palmela.
Que crítica consideram poder ser possível haver dentro do conceito de Comércio Justo ao modelo capitalista em que estamos imersos?
O Comércio Justo não é um movimento unitário, unívoco, ou harmonizado, e tem sofrido muitas evoluções (ou regressões), desde os seus primórdios internacionalistas e anti-capitalistas. Na sua génese, desde a produção até a distribuição e comercialização, o Comércio Justo está ligado ao movimento cooperativista e associativo, isto é, a estruturas em que o capital é coletivo e em que este não é remunerado em função da posse de títulos ou do aparelho de produção. A riqueza (potencialmente) gerada por estas estruturas é, regra geral, reinvestida no projeto coletivo. Pautando-se por valores de solidariedade e de justiça, o Comércio Justo inverte a lógica da economia de mercado, ao conceber práticas que visam maximizar as mais-valias a montante da cadeia comercial, isto é, junto dos/das produtores/as historicamente excluídos/as ou explorados/as. Esta matriz militante considera como indissociável da prática comercial justa um trabalho educativo e de mobilização à volta do funcionamento da economia que permita posicionamentos e ações conscientes e críticos dos cidadãos e das cidadãs.
Esta matriz, embutida na Economia Solidária, ainda existe e é nela que o CIDAC se reconhece, mas a fantástica capacidade de apropriação das alternativas por parte do capitalismo veio propor uma nova leitura do Comércio Justo, esvaziada do seu potencial crítico e transformador, mas mantendo a narrativa sedutora do “pequeno produtor”. Com efeito, ao longo dos anos 1990/2000, a grande distribuição alimentar e as multinacionais apoderaram-se do Comércio Justo, servidos pelas iniciativas do “pronto a pensar” que são as organizações de certificação. Na procura de limpar a sua imagem, os atores da economia convencional desenvolveram o nicho de mercado da “boa consciência”, mas conseguiram também captar a maior parte dos fluxos comerciais que, neste caso, remuneram diretamente o capital. A mesma história poderia ser contada para o caso da agricultura biológica, e já está a ser escrita para os circuitos curtos. No entanto, os atores do Comércio Justo militante mantém-se ativos, no mundo inteiro, confrontando-se doravante com a necessidade de explicar que “não, o chocolate certificado do supermercado não é a mesma coisa”…
a grande distribuição alimentar e as multinacionais apoderaram-se do Comércio Justo, servidos pelas iniciativas do “pronto a pensar” que são as organizações de certificação
Como tem sido possível manter um projecto comercial de base associativa e como é balançado o seu trabalho assalariado e voluntariado?
Como muitas organizações que se reivindicam da Economia Solidária, a nossa estrutura de financiamento resulta de uma hibridação entre resultados da atividade comercial, financiamentos públicos, e reciprocidade ou trocas não-monetarizadas (voluntariado, donativos, quotas, troca de serviços…). Sem estas três dimensões, a nossa atividade não poderia ser mantida nos moldes atuais e, ao não limitarmos o nosso entendimento da economia ao mercado, vemos como importante que o nosso trabalho educativo, por exemplo, seja alimentado pela função de redistribuição do Estado, ou que voluntários e voluntárias possam envolver-se na nossa atividade. Em termos de balanço, podemos dizer que atualmente, metade do horário útil da loja é garantido pelo trabalho de atendimento de voluntários e voluntárias. A equipa assalariada garante as tarefas associadas à gestão da loja (encomendas, por exemplo).
Recentemente os tempos pandémicos recordaram-nos a todos definitivamente a importância das relações comerciais locais de pequena escala. Como veem, no âmbito da vossa visão e projeto, a evolução dessa generalizada perceção e a onda de programas subsidiados vários que se propagaram nas Associações de Desenvolvimento Local um pouco por todo o lado?
A nossa principal preocupação em relação a esta realidade reside nas motivações que alicerçam estas perceções, entre o atalho do “nacional é bom” e a assunção genuína da importância da soberania alimentar, da agroecologia de matriz camponesa e da justiça económica.
Loja de Comércio Justo do CIDAC: aberta de segunda a sábado junto ao metro de Picoas, no nº 9 da Rua Tomás Ribeiro.
E como encaram a questão da oferta da produção justa, como em igual medida dos bens agroecologicos, manter-se acessível em grande apenas a alguns nichos de consumidores?
Este é um tema com o qual nos confrontamos frequentemente, e que parte de um diagnóstico real. Os preços baixos resultam do recurso por parte da agro-indústria a modos de produção intensivos e ao pagamento de preços indignos a quem produz / trabalha, alimentando o círculo vicioso da depredação ambiental e da pobreza. O sistema económico dominante consegue deste modo entreter uma esquizofrenia em que, enquanto trabalhadores/as, produtores/as exigimos remunerações dignas, e enquanto consumidores/as exigimos preços baixos. Os/as pobres contra os/as pobres… O problema não são os preços no Comércio Justo ou na agroecologia, ancorados na justiça social e ambiental, mas sim os preços e as externalidades que resultam das práticas convencionais. Dizer isto não resolve o problema, mas permite situá-lo não num elitismo político ou económico, que seria inerente às alternativas produtivas e económicas, mas sim na violência da economia de mercado capitalista.
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