Desculpa, mas não encontramos nada.
Desculpa, mas não encontramos nada.
Lendo: Música Sem Filtros
Se quiséssemos olhar às origens do jornal, iríamos certamente encontrar gente que se terá cruzado num concerto numa okupa, num qualquer outro espaço animado pelo espírito punk do Faz Tu Mesmo (DIY), ou num bairro de auto-construção das periferias de Lisboa, epicentros de culturas e de lutas. Foram momentos à volta da música livre e comprometida que deram asas ao espírito libertário do qual, anos depois, veio a resultar o MAPA. Por isso, é sabido que haverá sempre uma ligação umbilical da informação com a música. Do Punk, Metal, Rock ao Hip Hop, Reggae, Folk ou à Música Portuguesa Popular, a dita «música de intervenção» – da mais ativista à mais pessoal – não é uma categoria para ser arrumada numa gaveta perdida no tempo, antes persiste nos nossos dias com muita denúncia mas também com muito gozo, lazer e prazer. A criação, à margem do mercado e da indústria musical, é só por si um dos mais belos atos de rebeldia.
Nesta primeira compilação – já depois da re-edição em CD da k7 VIVER / FESTA, dos C.O.M.A., um coletivo Hip Hop de Carcavelos de finais de 1990, originalmente editada em 1998 – vamos encontrar o rap de Karlon Krioulo, Calla La Orden, Bruce Gee e Boss, juntamente com a rudeza de Scúru Fitchádu, o punk rock de Anarchiks, Albert Fish, Sharp Knives ou o reggae de Freddy Locks.
KARLON nasceu na Pedreira dos Húngaros e é descendente de cabo-verdianos. Está ativo na cena desde a década de 1990, quando ajudou a fundar os NIGGA POISON, e pode ser considerado um dos veteranos do Hip Hop crioulo em Portugal. Desde essa altura, nunca mais parou e foi criando as suas próprias estruturas, como a editora Kreduson Produson, que celebra hoje os seus 20 anos. Do mesmo modo, BOSS situa-se entre os pioneiros do rap criolo das periferias de Lisboa, oriundo do B.F.H. (Bairro das Fontainhas) e ativo nos MENTIS AFRO, que reclama como sua base o respeito, a solidariedade e a entreajuda. Valores que surgem, nas palavras de Boss, na vida do bairro acossada pela «exclusão social, o abuso policial e as cicatrizes que nos marcaram na perda dos nossos manos nas mãos da policia». Das cumplicidades de quem não se cala, veja-se BOSS ao vivo na Casa Viva no Porto em 2015, junto com os companheiros de Burgos CALLA LA ORDEN, rap anarquista que marca presença igualmente nesta compilação. E, neste mesmo diapasão de hip hop da Música Sem Filtros, junta-se BRUCE GEE, que se apresenta como rapper/ativista Luso-Angolano que compõe as suas músicas com o intuito de informar das injustiças sociais em Angola.
SCÚRU FITCHÁDU dá voz, igualmente através do crioulo cabo-verdiano, à crescente tomada de posição de critica social das comunidades de descendência africana, através do seu Electro Funaná Punk Hardcore que não tem deixado ninguém indiferente. Como referia ao Jornal MAPA, «sendo filho de uma geração que veio de África na década de 1970, mas nascido em Portugal, vivi na primeira pessoa situações de racismo, verbalmente como fisicamente. Nesta altura, e trabalhando na cultura, vejo racismo todos os dias, que parte de um racismo estrutural. A cultura parece ser um bem comum a todos e que une comunidades. Mas o que vemos é uma capinagem e apropriação cultural para o sumo económico, tudo embrulhado num papel paternalista. O racismo vem camuflado.» Por sua vez, no punk rock no feminino das ANARCHICKS que aparece nesta Música Sem Filtros, somos devidamente avisados da sua irreverência e atitude. No seu recente No Freedom Under Fascist Rules alertam para como «quando, na penumbra e na calada da noite, sentimos o bafejar fétido de um fascismo que pensávamos adormecido, tornou-se urgente lembrarmos que um mundo sem liberdade é um mundo incompleto, violento e que não serve uma sociedade de pessoas iguais nos seus direitos.»
Em igual e sempre marcada e declarada posição antifascista, encontramos os ALBERT FISH, no ativo desde 1995 e uma referência de sempre do streetpunk e do hardcore português. São perentórios: «Não dissociamos a banda, o punk com que nos identificamos, de uma componente de intervenção social.» O mesmo sucede com os SHARP KNIVES, o anarcopunk folk gerado em Lisboa que dispensa a eletricidade para mostrar a energia da música, ao transpor, como referem, «as nossas esperanças, medos, dúvidas, frustrações, inconsistências e sonhos para as palavras, gritando-os em voz alta como auto-empoderamento, viajando e brincando» e, assim, criando «uma rede de afinidade de amigos, ao mesmo tempo que nos unimos contra todas as formas de autoridade, coerção e opressão». Por fim, resta falar ,nesta primeira compilação do Jornal MAPA, do reggae de FREDDY LOCKS que, a partir do punk e depois no reggae, canta e toca desde 1997 e nunca descurou a importância da atitude interventiva da música e da sua importância para nos aproximarmos em comunidade.
O nosso desejo de construir comunidade em liberdade é, nesse sentido, o ponto de encontro da música e da informação sem filtros que ouvimos e lemos e a partir da qual não podemos mais deixar de agir.
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