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Lendo: Barroso: o Verão aquece

Barroso: o Verão aquece

Barroso: o Verão aquece


Depois de, em Abril passado, a Agência Portuguesa do Ambiente (APA) ter dado parecer favorável ao Estudo de Impacto Ambiental (EIA) da Savannah para a mina do Barroso, esse projecto mineiro entrou na fase de discussão pública. O apelo para que essa discussão fosse amplamente participada resultou em centenas de páginas com pareceres de associações locais, da autarquia de Boticas, de grupos ecológicos e de muitos particulares, num total de 166 participações, a maioria das quais a chumbar o EIA da mina que se pretende implementar em zona de Património Agrícola Mundial. Tudo está agora nas mãos da Comissão de Avaliação da APA: caso o seu parecer seja favorável (ou favorável condicionado), esta será a primeira exploração de grande dimensão enquadrada pela nova Lei da Minas (Lei n.º 54/2015, de 22 de junho), que, após quase 6 anos, foi finalmente regulamentada com o Decreto-Lei n.º 30/2021 de 7 de maio, um documento altamente criticado, conforme demos conta aqui e aqui.

Barroso
Se a ampliação da mina for autorizada pela APA, «vislumbramos um ecocídio numa das regiões com maior biodiversidade do país e um futuro muito negro pela frente», afirmou ao Expresso Vítor Barroso Afonso, presidente da Associação Povo e Natureza do Barroso, que foi uma das 166 vozes que enviaram considerações em sede de consulta pública. No caso concreto, uma oposição, onde Vítor Barroso vê «argumentação muito sólida e consistente para [a APA] emitir um parecer desfavorável».

DornelasA Associação Unidos em Defesa de Covas do Barroso (UDCB) também participou na consulta com um documento com mais de 120 páginas, apontando «falhas metodológicas e ausência de rigor e transparência científica», «sérias omissões, fragilidades e lacunas», que «não permitem avaliar de maneira adequada as consequências negativas da implementação da Mina do Barroso». Pelo que «a UDCB solicita à Comissão de Avaliação emitir uma Declaração de Impacto Ambiental DESFAVORÁVEL ao projeto de ampliação da Mina do Barroso.» A abordagem para armazenamento de rejeitados, por exemplo, é vista como sendo excessivamente optimista, uma vez que não é tida em conta a possibilidade de chuvas fortes poderem liquefazer os rejeitados e levá-los a escorrer para a rede fluvial local, pelo que não há pensamento sobre as consequências dessas escorrências nem plano para as evitar.

No seu texto de contestação, pode ainda ler-se que «consideramos que o acesso à informação e à participação pública durante o processo de Avaliação de Impacto Ambiental (AIA) foi limitado», de forma talvez ilegal. «As sessões de esclarecimento promovidas pela APA (…) em pouco contribuíram para esclarecer o público em geral e em particular as comunidades afetadas pela implementação do projecto da Mina do Barroso».

No campo das associações ambientalistas, até a Associação Zero, que tem tido uma posição dúbia na questão da mineração, deu um parecer negativo ao EIA da Savannah. Por esquecer a proximidade de habitações, por lançar ideias unicamente «para conquistar a adesão»; por se opor repetida e reiteradamente a um «processo participativo (…) com uma discussão com os principais interessados — os que residem e fazem deste território o que ele é hoje», o que faz com que, mesmo os apoios programados tenham «uma lógica de imposição por parte da empresa»; pela degradação paisagística; e pela pouca credibilidade.

O Geota, por seu lado, acusa o EIA de «desvalorizar os impactos negativos», considera que «apresenta uma perspetiva enviesada e que as medidas de minimização são apenas pensos-rápidos que não evitarão danos irreversíveis e desastrosos no futuro». Também esta associação sublinha a total ausência de diálogo com as pessoas eventualmente afectadas pela laboração da mina.

Finalmente, a Câmara Municipal de Boticas tornou público que, ao longo de 134 páginas, deixou «bem vincada e sustentada a sua posição contrária» à exploração de lítio em Covas do Barroso, apontando «desconformidades», «problemas metodológicos» e «incongruências inadmissíveis» ao EIA. Houve muitas outras contestações, umas mais específicas e focadas, por exemplo, no património arqueológico, outras mais gerais, mas todas a acusarem a ausência de participação popular nos processos de decisão, todas verdadeiramente preocupadas com o futuro e todas críticas da ausência de credibilidade do estudo.

A luta continua nos montes

O trabalho institucional possível está feito. As populações e as suas associações estiveram atentas, muniram-se de conhecimento e demonstraram, nos meios e nos moldes permitidos, a sua forte oposição ao projecto mineiro. Tudo agora passa para outras mãos e, entre Avaliações Estratégicas e Comissões de Avaliação, sabe-se que a decisão está tomada à partida. Nas redes sociais, alguém escrevia: «Saímos deste processo com mais receio quanto ao futuro do nosso Barroso, mas também com a convicção de que temos de continuar a lutar pelas nossas terras, pelas nossas gentes e para que a Mina da Savannah não abra as portas a mais projetos desta natureza um pouco por todo o país. E porque não ficaremos de braços cruzados à espera de uma resposta da Agência Portuguesa do Ambiente, preparem-se, que este Verão trará muitas e boas novidades».

Logo no dia 6 de Agosto, a Associação UDCB irá a Guimarães para uma sessão de esclarecimento (“A exploração de lítio em Portugal”) que arranca às 18h, nos jardins do centro Cultural Vila Flor. No dia seguinte, dia 7, arranca da freguesia de Dornelas um «passeio contra as minas», onde se visitará a Mina de Lousas, cuja ampliação está a ser planeada pela Savannah, para «dar a conhecer o crime ambiental que, desde 2008, decorre sem qualquer resistência». O passeio continuará até ao largo do Outeiro, na aldeia de Vila Pequena, onde haverá um lanche e uma sessão de esclarecimento. No dia 8 de Agosto, em Morgade há uma caminhada «Pelo ambiente – Não às minas, sim à vida» –, organizada pela Associação Montalegre com Vida. Para as 9h30 da manhã desse mesmo dia, e não para muito longe, está também marcada uma marcha de protesto contra a mina da Borralha «e todos os outros projectos vizinhos», no Carvalhal do Esporão, na freguesia de Salto.

Mas a novidade que nos parece mais apetitosa é, sem dúvida, o Acampamento em defesa do Barroso, a decorrer entre 14 e 18 de Agosto próximos. No seu Manifesto pode ler-se: «A mina da Savannah é o projecto de extracção de minerais de lítio mais avançado em território português. É a primeira de várias minas que o Governo português pretende desenvolver, algumas aqui na região do Barroso, mas também noutras partes do país. Em breve, se a Agência Portuguesa do Ambiente emitir um parecer favorável ao desenvolvimento do projecto, independentemente dos impactos negativos que este trará, abrirá as portas à destruição de vários territórios. Estamos numa luta desigual e sabemo-lo. Por vezes, sentimos-nos impotentes frente aos desígnios do poder político e económico e sentimos que a nossa voz é abafada e não tem força para se fazer ouvir. Mas acreditamos que, através da solidariedade e apoio mútuo, podemos contrariar este sentimento. Juntai a vossa voz à nossa até que o clamor ensurdeça o poder que teima em não nos ouvir».

«Precisamos de actuar, e precisamos de fazê-lo juntas! Gentes do Barroso, gentes de outros territórios ameaçados, em Portugal e no Mundo, e todas as pessoas que queiram solidarizar-se com esta luta. Convidamos-vos para acampar em Covas do Barroso, entre 14 e 18 de Agosto de 2021. Acampamos para dar a conhecer a nossa luta e o nosso modo de vida, para que partilhemos e aprendamos com as experiências de outros lugares. Para que juntas possamos organizar acções futuras».

No seguimento do anúncio deste acampamento, a Cicloficina do Porto iniciou os preparativos para uma «Bicicletada em defesa dos montes». De acordo com as informações da Cicloficina, «a ideia é começar a pedalar dia 9, a partir do Porto, ou apanhar um comboio da linha do Douro para a Livração e começar em Amarante no dia 10». O plano é aproveitar o dia 11 na Ecopista da Linha do Tâmega, passar por Celorico de Basto no dia 12 e chegar a Covas do Barroso no dia 13, para «ajudar ainda na preparação do acampamento».

 


A agenda do acampamento já pode ser consultada aqui.


Written by

Teófilo Fagundes

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