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Lendo: #parirsozinhanão

#parirsozinhanão

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Uma campanha de reivindicação dos direitos das mulheres grávidas, e suas famílias, denuncia as restrições impostas a propósito da pandemia, que ainda hoje impedem o direito a ter um acompanhante nas consultas e durante o parto, apesar das várias fases de desconfinamento que o país atravessou.

A campanha «parir sozinha não» surgiu porque, desde março, a Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e Parto (APDMGP) tem recebido uma grande quantidade de pedidos de ajuda, por parte das mulheres e de companheiros, conta-nos Catarina Barata, membro da Associação. «São pedidos completamente desesperados, quando as mulheres se apercebem que têm de ir sozinhas a consultas de rotina, que não podem levar ninguém para o parto. Aquele momento de fazer ecografia, conversar com o profissional de saúde, o outro progenitor (o pai ou a outra mãe) ou outro acompanhante que elas queiram levar é completamente privado disso. Depois, ainda mais com o próprio parto». 
Estas restrições foram implementadas logo em março e, imediatamente, a APDMGP começou a receber pedidos de ajuda, ainda que no início tenha reagido com cautela, por não se saber bem que novas realidades se impunham. À medida que o tempo foi passando, com o levantamento das restrições em todas as áreas, passando a ser permitida a realização de touradas, por exemplo, ou almoços em restaurantes com 20 pessoas, observou-se que as mulheres continuavam a ter de ir sozinhas para o hospital, quer para ter o bebé, quer no acompanhamento da gravidez, mesmo em casos de internamentos. De acordo com denúncias que chegaram à Associação, houve casos em que as mulheres tiveram de ficar internadas durante meses, sem a possibilidade de visitas, tanto no pré-parto como no pós-parto.

Até finais de outubro, não só se assistiu a este desconfinamento geral em todas as áreas, como também foi publicada informação de organismos de saúde internacionais ou da comunidade científica, onde unanimemente se esclareceu a importância da não separação da mãe e bebé, por exemplo, mesmo em caso de mãe que teste positivo para Covid-19; foi reforçada também a necessidade de os direitos básicos das mulheres serem respeitados no momento do parto, numa perspetiva que considera a saúde como algo a ser preservado em vários âmbitos, que não só o estritamente epidemiológico ou de contágio. Desde o início do confinamento que a APDMGP se dirigiu à Direção Geral de Saúde (DGS) e aos hospitais, chegando até a fazer queixa à entidade reguladora da saúde e a falar com os partidos políticos. «Depois, sentimos esta necessidade da campanha pública e então lançámo-la. Fizemos também uma manifestação em frente à DGS em que se colocaram sapatos para evitar que houvesse concentração de pessoas».

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Quanto aos hospitais privados, Catarina Barata, que também é doutoranda em Antropologia do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa, trabalhando o tema da violência obstétrica, explica que muitos permitem acompanhante. «O que verificamos, como já verificávamos antes da pandemia, é que há uma discrepância muito grande entre as políticas dos vários hospitais. Aqui, o privado e público têm essa diferença, no privado são clientes e, portanto, há uma maior permissividade em relação a certos direitos e, na questão do acompanhante durante a pandemia, não foi exceção».

A APDMGP 1 alertou ainda para o facto de estarmos a assistir a um excesso de partos medicalizados, com o número de induções e cesarianas a aumentarem. «Embora muitos privados tenham mantido a possibilidade de a mulher parir com um acompanhante, exigindo sempre que ambos tivessem um teste negativo à Covid-19, devem ter sido raros os casos de partos espontâneos», salienta esta investigadora-ativista. «Basicamente, a pandemia veio acentuar certas tendências que já previamente se verificavam e, com a desculpa da necessidade de ter teste negativo na altura do parto, tornou-se prática comum não esperar pelo início de parto espontâneo».

Após a campanha «parir sozinha não» e após vários partidos terem aprovado projetos de resolução, a DGS foi alterando a sua posição através dos documentos que emitiu. Se, num primeiro documento, a DGS se posicionou no sentido de restringir tudo, depois de interpelações, o segundo documento já veio concordar com as recomendações da Organização Mundial de Saúde quanto à importância da presença de um acompanhante durante a gravidez e parto, mas deixava a decisão ao critério dos hospitais. No dia 9 de outubro do ano corrente, o terceiro parecer é mais perentório em dizer que o acompanhamento é um direito da mulher grávida que deve ser cumprido e, como tal, deve ser a regra e não a exceção, afirmando que «as unidades hospitalares devem assegurar as condições necessárias para garantir a presença de um acompanhante durante o parto».

Infelizmente, e apesar da visibilidade mediática da campanha e do posicionamento de organismos de saúde, a situação mantém-se crítica. Sabe-se que os hospitais pouco alteraram as suas práticas e continuam a chegar relatos de mulheres que experienciam o parto, um momento tão marcante e que devia ser respeitado, como algo traumático e vivido em isolamento forçado.

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Não só as grávidas se veem impedidas de receber apoio e acompanhamento, como também as pessoas que partilham a parentalidade ou laço afetivo com a parturiente e o bebé estão privadas do direito à presença e participação no início de vida das crianças. Durante o tempo em que já se podia circular livremente, o normal nos hospitais públicos foi os pais (ou a outra mãe) só conhecerem os seus filhos 3 dias após o nascimento. Ao refletir sobre questões de género na parentalidade, o que se está hoje em dia a promover é um contraste face às políticas de igualdade que os próprios governos têm vindo a implementar, marcando o nascimento e o cuidado dos filhos como algo da exclusiva responsabilidade da mãe biológica.

Como se pode ler num artigo publicado no site da APDMGP 2 «Estão a acontecer coisas terríveis, no âmbito da assistência ao parto e pós-parto, em Portugal e no mundo, nestes tempos de pandemia. Restrições de direitos e garantias, manipulações, imposições contrárias a recomendações internacionais e evidências científicas». A resposta à situação causada pela Covid-19 gerou um «Estado de Exceção» que expõe a fragilidade dos direitos humanos, sobretudo de certos grupos da sociedade, revelando uma realidade de retrocesso a «velhos hábitos», apesar das conquistas e das lutas: perante uma crise, aumentam as desigualdades e as desvantagens das mulheres quando se vive num sistema patriarcal capitalista.

 


Artigo publicado no JornalMapa, edição #29, Dezembro 2020|Fevereiro 2021.

Notas:

  1. Para mais informação sobre estas questões, recomendamos a leitura do artigo “COVID-19 Containment Measures, Perinatal Experiences, and the Fight for Childbirth Rights in Portugal”, disponível no blog da Medical Anthropology Quarterly.
  2. http://associacaogravidezeparto.pt

Written by

M. Lima

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