Desculpa, mas não encontramos nada.
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Lendo: Tecedoras de redes: A mulher no mundo pós-petróleo
Para as gentes da costa a rede simbolizava o sustento, pois era com ela que se pescava. Quem pescava eram os homens, mas quem preparava as redes eram as mulheres, as redeiras. A rede como base da produção do sustento, mas também da segurança, do descanso e do lazer. Interessa-nos a criação destas outras redes, redes sociais de cooperação, de saberes, capazes de trespassar fronteiras e de unir lugares distantes, geograficamente mas não tanto culturalmente.
Podemos comprovar com a internet como é que uma rede transmite informação. A sua utilidade é ser capaz de comunicar usando nós e enlaces que funcionam em todas as direções e sentidos, criando não apenas a conexão mas a inter-conexão e a retroalimentação, de forma a que cada nó comunique indiretamente com todos os outros para facilitar a sua operatividade. Não implica cada ponto ter conexão direta com todos os outros, mas cada nó ou ponto de enlace poder chegar a qualquer outro, para que pessoas, grupos e comunidades possam partilhar recursos e elementos materiais, mas especialmente elementos imateriais.
Construirmos a nossa rede
A ativista e pioneira nos estudos prospectivos, Elise Boulding, insistiu que é impossível trabalhar para um objetivo que não podemos imaginar, pois é a visão do futuro que fundamenta a ação do presente.
Imaginemos um mundo onde os sistemas de comunicação, de produção e de transporte estão falidos. Já não podemos, no mínimo não com a mesma intensidade e facilidade, comunicar com a Austrália, mas o isolacionismo absoluto não é nem possível nem desejável. Há que construir novas redes. Sabendo que cada lugar tem seus próprios condicionamentos, necessidades e potencialidades, quais seriam então as bases da nossa rede na Galiza? Olhemos para a organização territorial, o acervo cultural e a língua como dimensões determinantes para darmos resposta às novas necessidades de alto nível de autosuficiência, frugalidade, localismo e cooperação.
A organização territorial
Com vista a uma nova organização, quer sem a cobertura estatal quer com uma super-estrutura social muito debilitada, a base seria a comunidade local. O conceito de comunidade local em cada lugar tem um significado distinto. Na Galiza, a nossa base seria a paróquia (freguesia) no entorno rural e o núcleo urbano (não a grande aglomeração moderna estabelecida sob o nome de área metropolitana).
Com vista a uma nova organização, quer sem a cobertura estatal quer com uma super-estrutura social muito debilitada, a base seria a comunidade local.
Falamos em simplificação territorial porque as super-estruturas territoriais e mega aglomerações humanas deixaram de fazer sentido e não serão operativas, como diz Ted Trainer, autor de The Transition to a Sustainable and Just World: «A nova economia será constituída principalmente por muitas pequenas economias, economias locais, de tal maneira que os produtos básicos de que necessitamos sejam produzidos perto de onde vivemos, a partir da terra, bosques e recursos locais, graças à força de trabalho e aos conhecimentos da gente local».
Considerando que o transporte de pessoas e mercadorias depende, em mais de 90%, do petróleo, um dos primeiros efeitos do Teto do Petróleo será a dificuldade em manter esse sistema, dispor de produtos procedentes de lugares afastados e viajar da maneira que vínhamos fazendo. Tudo terá de ser feito na proximidade na maior parte do tempo, com meios de transporte não consumidores de combustíveis fósseis.
Por proximidade geográfica, por similitude climática e da biodiversidade, para a Galiza será mais prático e mais possível, materialmente, a relação com o Norte de Portugal do que com os países catalães, por exemplo, ou com as partes do Estado espanhol não peninsulares. Os nodos desta rede deveriam ter essa bio-região como prioridade.
Acervo cultural
Na nova sociedade será indispensável dispor de muitas habilidades e conhecimentos, como agricultura tradicional e pesca, usos do gado como força de trabalho, conservação artesanal de alimentos, produção de roupa, usos das ervas medicinais, eficiência energética, lazer… O acervo cultural de que necessitamos está ainda aí e fácil de recuperar, pois decorreu apenas uma geração desde a sua aplicação quotidiana.
A importância da língua
A língua, em todo este processo, é um dos elementos mais importantes com que contamos na criação da nossa rede. «As histórias transmitidas no seio de uma comunidade é o que as mantém unidas», diz o Guia para o Decrescimento Energético da Associação Véspera de Nada. Desta forma, um labor importante a abordarmos na preparação da nossa comunidade é a produção de histórias que expliquem as radicais mudanças que está a experimentar a sociedade no seu conjunto, ou a nossa comunidade local, derrubando os mitos que nos dirigiram até onde estamos e permitindo apreender novos valores e conhecimentos que devem guiar a nova cultura pós-industrial, ao mesmo tempo que recuperamos ou mantemos elementos da cultura tradicional galega.
A linguagem e, por isso, a língua, tem uma função mediadora entre o pensamento e a perceção da realidade, sendo usada como veículo da ideologia e instrumento de dominação. Assim, também podemos usar a poderosa meta-ferramenta da linguagem para desarmar uma ideologia destrutiva e construir outra nova.
A mulher vem sendo um elemento chave em todo este processo por ser ela maioritariamente quem guarda ainda estes saberes de que falamos, especialmente no mundo rural, onde ainda são elas quem transmite a gerações novas conhecimentos úteis para a criança, os cuidados, não apenas da família, mas também do gado, do campo e, por extensão, da vida.
Mulheres de distintas procedências e de distintas culturas, a porem em comum esses conhecimentos, são o elo fundamental para a criação da nossa rede de sustento, de segurança e de sobrevivência.
Texto de Maria Castelo / Rede Galega pelo Decrescimento
Foto: Begoña de Bernardo
Artigo publicado no Jornal Mapa, edição #25 (Novembro 2019 | Janeiro 2020)
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