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Lendo: A (renovada) corrida ao ouro negro

A (renovada) corrida ao ouro negro

A (renovada) corrida ao ouro negro


A reboque das inúmeras concessões e projectos para a extracção de gás e petróleo em Portugal, termos como offshore e deep offshore impõem-se no léxico do quotidiano. O modelo energético da indústria dos combustíveis fósseis assenta, em parte, no mar e nas suas “riquezas”.

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Seguindo o mau exemplo das “grandes potências”, o governo português tem atribuído um número crescente de concessões para a exploração de gás e petróleo, bem como para a extracção de minérios, num momento no qual o consenso científico aponta para a necessidade de um investimento decidido e urgente em energia renovável, com o consequente afastamento da extracção de hidrocarbonetos.

Em Portugal, o interesse no desenvolvimento da exploração petrolífera é já bastante antigo, remontando as primeiras concessões ao final dos anos 30 do século passado. Desde então os locais dedicados à exploração multiplicaram-se, com um crescente enfoque no offshore (mar) e mais recentemente no deep e ultra deep offshore (mar aberto de alta profundidade). Existem concessões desde o litoral de Viana do Castelo (parte da Bacia do Porto) a Vila Real de S. António, (Bacia do Algarve) e de permeio por toda a Bacia Lusitânica, a mais explorada das três – as chamadas “bacias interiores”, por oposição às cinco bacias exteriores localizadas em águas profundas – que compõem a nossa costa.

O interesse no deep e ultra deep offshore adquiriu nos últimos anos um renovado vigor em Portugal, nomeadamente graças a descobertas recentes ao largo da Mauritânia, Marrocos e Irlanda e à analogia geológica entre as bacias canadianas e portuguesas, que reforçam a convicção da indústria de que as bacias sedimentares ao largo da costa nacional e em mar alto, nomeadamente na ZEE (Zona económica exclusiva – voltaremos a este conceito mais adiante), podem revelar jazidas significativas de petróleo e gás, à semelhança do que aconteceu no Brasil em 2007 com a descoberta do Pré-Sal.

Neste contexto é importante referir que embora as explorações em deep e ultra deep offshore não sejam à partida consideradas técnicas não convencionais de extracção, muitas delas podem implicar o uso de técnicas não convencionais, em particular as ligadas à exploração de camadas formadas durante o Jurássico Inferior. A distinção entre explorações convencionais e não convencionais é normalmente feita pelo contraste entre técnicas de perfuração tradicionais, onde o petróleo ou gás fluem naturalmente à superfície por pressão, e técnicas não-convencionais, onde o fluxo tenha de ser estimulado.

Independentemente de serem à partida consideradas convencionais ou não, a exploração em deep e ultra deep offshore é uma obra de engenharia de alta complexidade e, consequentemente, requer elevado capital de investimento, representando ao mesmo tempo um elevado potencial de risco em termos ambientais. Se somarmos a isto o facto de que algumas irão implicar o uso de técnicas de estimulação não convencionais (perfuração horizontal, estimulação química, termal ou outra) de forma a extrair os hidrocarbonetos encontrados, então os encargos e riscos tornam-se ainda maiores.

Este aumento de custos com investigação e com a infra-estrutura e tecnologia envolvidas tem quver com o que poderíamos chamar, sucintamente, de fim do petróleo e gás fáceis, ou seja, de alto rendimento e fácil acesso. Devido ao consumo crescente e consequente esgotar das fontes clássicas e de fácil acesso, tornou-se necessário perfurar cada vez mais fundo e diversificar as fontes de hidrocarbonetos – assim se percebe a emergência nos mercados globais do Shale Gas ou Gás de Xisto, das Areias Betuminosas, dos Hidratos de Metano, ou o enorme investimento no ultra deep offshore.

Este investimento é em grande parte sustentado com fundos públicos, com destaque para as grandes nações, através de apoios e colaborações em investigação, protocolos com universidades ou entidades internacionais ou mais genericamente através dos infames subsídios à indústria petrolífera, tendo como resultado a frenética corrida a novas técnicas de extrair gás e petróleo a que assistimos e na qual o renovado interesse pelas bacias sedimentares “portuguesas” se inscreve.

frackingNo âmago deste fenómeno está a ligação (pluri)umbilical forjada ao longo do século XX entre uma indústria, as corporações que a dominam, os Estados que as albergam e sustentam e os mercados financeiros. Assim, em vez reconhecer que já tarda a hora de uma revolução energética, de que os custos crescentes em termos financeiros e ambientais da exploração continuada dos hidrocarbonetos são apenas mais um sinal, a indústria petrolífera espalha ainda mais os seus tentáculos e contínua a sugar apoios financeiros, a monopolizar recursos e meios científicos, de forma a reforçar a sua posição (já de si hegemónica) no mercado. As populações, subjugadas e contidas no papel redutor de consumidores, espremidas pela crescente pressão de uma economia claramente desenhada para as explorar, são assim forçadas a aceitar o petróleo e quejandos como única matriz energética possível e a arcar com as suas consequências.

Resulta disto que o investimento em energias renováveis não destrutivas (sendo as barragens um exemplo de uma fonte energética que, sendo renovável, pelo seu impacto ambiental não é sustentável) vai ficando para trás, assim como todo o potencial cooperativo, comunitário e horizontal que uma revolução energética limpa poderia apresentar. É evidente que a mudança de paradigma energético se apresenta ao mesmo tempo como potencial momento transfigurador da forma como os povos produzem e consomem energia: de consumidor e cliente passivo sujeito à ditadura das grandes corporações do sector, o indivíduo e as comunidades podem passar a produtores e fornecedores de energia renovável.

Este aspecto, que frequentemente fica em pano de fundo relativamente às consequências ambientais que enfrentaremos – consequências essas que um volume cada vez maior de investigação indicia que poderão ser ainda mais dramáticas do que as já de si catastróficas apresentadas nos relatórios e modelos do IPCC (Intergovernmental Panel on Climate Change) – é talvez aquele que melhor ajuda a perceber a postura de combate assumida pela indústria petrolífera contra o que considera ser uma ameaça ao seu modelo de negócio.

Essa posição tornou-se ainda mais evidente quando recentemente foram publicadas peças de investigação jornalística que revelaram claramente que a indústria petrolífera sabia já nos finais dos anos 70, através de investigação por eles realizada, que o planeta estava a aquecer fruto da acção humana e que não só suprimiu essa informação como passou activamente de então para a frente a financiar um esforço concertado para desacreditar a teoria de aquecimento global.

Para entendermos melhor o entrecruzar de interesses e influências entre corporações e Estados devemos orientar o nosso olhar brevemente para o passado e percurso da indústria.

A história do deep offshore começa nos anos 60 quando é iniciado um programa de recolha de amostras do sub-solo marítimo a que chamaram de Deep Sea Drilling Project que se estendeu até 1983. Em 2006/2007 os documentos do programa foram apresentados no Ocean Drilling Program Science Operator, na Universidade do Texas. O planeamento foi realizado sob a égide da Joint Oceanografic institutions for Deep Earth Sampling (JOIDES), que consistia num esforço de 250 cientistas, agências governamentais e indústria privada de todo o mundo. Em pouco mais de dois anos perfuraram o Atlântico, o Pacífico e o Índico mas também o Mar Mediterrâneo e o Mar Vermelho. Embora o programa fosse promovido e financiado por organizações públicas e o seu intuito fosse a investigação científica, a colaboração com a indústria petrolífera era estreita e um dos primeiros resultados de relevo foi a detecção de cúpulas salinas que indiciavam a provável presença de reservas petrolíferas, prontamente partilhada com a indústria. É interessante notar que estes esforços coincidem, grosso modo, com as datas avançadas pelo geofísico M. King Hubbert na sua teoria publicada uma década antes, que previa um pico de produção norte-americana entre 1965 e 1971, ao qual se sucederia um declínio – o chamado pico do petróleo.

Na ordem do dia das novas apostas da indústria petrolífera está também o Pré-Sal, uma camada abaixo da camada de sal no subsolo atlântico, que foi descoberta no Brasil, pioneiro da exploração deste tipo de petróleo. A Petrobras, que tem sido pioneira em perfurações deste tipo, confirmou a existência de reservas no Pré-Sal da baía de Santos em 2006 e realizou a primeira extracção em 2008. O primeiro grande poço, o poço Lula, a 250 km da costa perfurou a 8 Km de profundidade, 2 Km de água e 6 Km dentro do sub-solo, e produz anualmente uma média de 30 mil barris de petróleo por dia, produção da qual a Petrogal (Galp) detêm 10%. É interessante notar que nos mesmos locais onde agora se perfura, nomeadamente na baía de Santos, se realizou prospecção extensiva no Pós-Sal, a camada acima da camada salina, sem resultados significativos. Foi apenas no início deste século que a evolução de tecnologias de mapeamento sísmico permitiu confirmar a presença de sistemas petrolíferos abaixo da camada salina. Hoje, mais do que nunca, o petróleo provindo do Pré-Sal é crucial para o desenvolvimento e a vitalidade comercial das energias fósseis, juntamente com o gás de xisto e as areias betuminosas.

fracking2Da mesma forma os campos de Pré-Sal brasileiros levaram à descoberta dos campos da bacia do Kwanza e do Namibe, descobertas na Mauritânia, Marrocos e Irlanda reforçam a ideia de que a natureza das estruturas geológicas na ZEE portuguesa revelam potencial. A placa ibérica, parte da placa euro-asiática separou-se da placa norte americana no período Aptiano (de 113 a 125 milhões de anos, no Cretáceo Inferior) o que aponta para analogias entre a composição das bacias sedimentares nacionais e da bacia sedimentar do oeste do Canadá, uma das mais ricas do mundo em recursos petrolíferos. É este facto que justifica o interesse redobrado das petrolíferas que, naquelas zonas, têm obtido resultados encorajadores.

A investigação que conduz ao momento presente naturalmente já vem de trás e sem surpresa é fruto de cooperação internacional. Entre 1985 e 2003 iniciou-se uma nova investigação conhecida como Ocean Drilling Program (ODP), que mais tarde é apelidada de Integrated Ocean Drilling Program (IODP) que sucedeu ao anterior Deep Sea Drilling Project.

No âmbito deste programa, Portugal tinha assinaladas cinco perfurações na Bacia do Porto. Realizaram-se também perfurações na Bacia de Cádis que anunciavam boas perspectivas para o futuro das energias fósseis, como se confirma com o actual investimento nas concessões da vizinha Bacia do Algarve. Todo este trabalho é organizado pela IODP que desenvolve as suas expedições segundo as propostas do plano cientifico Illuminanting Earth’s Past, Present, and Future, (Plano Científico para o Programa Internacional da Descoberta dos Oceanos). As amostras retiradas do fundo do mar no âmbito do IODP estão armazenadas nos EUA, Alemanha e Japão, e são ainda hoje utilizadas.

Ao analisar o que está a acontecer em Portugal é inevitável cobrir a questão da ZEE e do seu alargamento. A Zona Económica Exclusiva de Portugal e a proposta para o seu alargamento, actualmente em fase de avaliação na ONU, é um ponto central na relação do Estado português com o mar e também um dado importante para compreender a recente invasão da indústria petrolífera.

Muito sucintamente, uma ZEE constitui uma zona de espaço marítimo para além das águas territoriais de um dado país, sobre a qual o Estado em causa não possui soberania mas detém os direitos de exploração dos recursos naturais que lá se encontrem. As potencialidades dos recursos naturais na ZEE portuguesa são grandes e por isso, em 2009 Portugal apresentou a proposta de alargamento da sua ZEE às Nações Unidas. O objectivo, naturalmente, é poder exigir os direitos económicos dos recursos naturais a serem extraídos do subsolo na sua “propriedade”.

O alargamento é possível devido a uma resolução das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, que possibilita a qualquer Estado, ao abrigo da Lei do Mar, a alargar a área da plataforma continental além das 200 milhas (321 Km) de acordo com critérios geológicos e jurídicos estabelecidos. Até 2014 foram apresentadas, nas Nações Unidas, 72 propostas de extensão da plataforma continental. A proposta portuguesa para extensão dos limites exteriores da plataforma continental prevê que Portugal ganhe um total de quase quatro milhões de quilómetros quadrados de área sob soberania nacional. Se as Nações Unidas considerarem por válida a argumentação de Lisboa, a extensão da ZEE portuguesa passará das 200 para as 350 milhas náuticas (563 km).

No total, a área dos novos domínios marítimos portugueses ultrapassa 3.800.000 quilómetros quadrados: desses, 1.600.000 correspondem à ZEE (a 3ª maior da Europa e 11ª mundial) e 2.150.000 à plataforma continental para lá das 200 milhas. A proposta será discutida em 2016 pela Comissão de Limites da Plataforma Continental. Crucialmente, a proposta, só por si, já permite a Portugal exercer os seus direitos de soberania sob o solo e subsolo marítimos no que toca à exploração dos recursos naturais.

fracking3Naturalmente, falando em recurso territoriais não podia deixar de existir uma disputa, previsivelmente, com Espanha. O país vizinho contestou os limites a sul propostos pela extensão da ZEE, defendendo que o limite devia ser equidistante entre a Madeira e as Canárias, mas Portugal contra argumentou com a presença das pequenas Ilhas Selvagens. Em 2013 Espanha reagiu ao pedido português através de uma reclamação oficial sobre o estatuto das Ilhas Selvagens na Divisão para os Assuntos do Oceano e da Lei do Mar, na ONU. Para Portugal as Selvagens são Ilhas, o que permite que a sua ZEE se estenda a sul das ilhas. Pelo contrário se fossem considerados meros rochedos, tal como Espanha pretendia, a sua ZEE absorvia as Ilhas Selvagens e Portugal perderia os direitos de exploração em redor dos “rochedos” espanhóis. No final de 2001 o governo espanhol publicou um Decreto Real (norma jurídica de uma monarquia parlamentar) que concedia à Repsol-YPF a permissão para a investigação de petróleo e gás nas águas da Canárias. No início de 2015 a Repsol deu por finalizada a sondagem nas Canárias, a 60 km de Lanzarote para confirmar a existência de Hidrocarbonetos. As sondagens confirmaram a existência de gás, entre metano e hexano.

As Selvagens são importantes porque abaixo dos 4.000 metros de profundidade das águas em seu redor, são procuradas jazidas de minérios, gás natural e de outros recursos naturais do mar como pesca e algas. A disputa acabou com Espanha a declarar, recentemente, na ONU que não “tem objecções ao projecto português”. Uns dias antes Portugal tinha declarado que “não se opunha” a que a ONU se pronuncie sobre a proposta da ZEE espanhola para Oeste das Canárias. Um acordo de cavalheiros ou uma troca de contrapartidas entre os interessados europeus?

Depois de se conhecer o apoio de Portugal a Espanha, Marrocos relembrou à ONU que as Canárias estão dentro das águas do Saara Ocidental e que as Canárias não são moeda de troca. Na verdade, na região do Saara Ocidental, o povo Saraui esteve em guerra com Espanha em 1973-1974 e com

Marrocos de 1975 e 1991 (oficialmente) porque até hoje o povo Saraui e a Frente Polisário resistem à ocupação da região pelo Reino de Marrocos.

Os recursos naturais que Portugal quer explorar e que se prevê que existam dentro na nova plataforma continental são, entre outros, o ouro, manganês, cobalto, titânio, elementos das terras raras, telúrio, metais do grupo da platina, níquel, cobre, zinco e cobalto. Até 2020 Portugal vai receber mil milhões em fundos comunitários para investir no desenvolvimento dos seus recursos marítimos através do Programa Operacional do Mar, Mar 2020, aprovado em 2014 pelo governo PSD-CDS com apoio do PS. Para além disso existe também interesse na produção de algas, aquicultura e, obviamente, petróleo e gás. A Estrutura de Missão para a Extensão da Plataforma Continental (EMEPC) assinala na sua página que “a ocorrência de petróleo no deep offshore se encontra maioritariamente localizada próximo das margens geológicas continentais”. Os primeiros testes offshore em Portugal foram realizados dentro dos limites dos 200 metros da costa, conhecidos como shalow offshore (offshore pouco profundo) na Bacia do Porto, havendo quatro concessões em avaliação. No Algarve as concessões iniciaram-se no mar mas já chegaram a terra, o que indica a homogeneidade geológica na Bacia do Algarve quer em terra, quer no mar, como acontece também na Bacia Lusitânica, e assim sendo as petrolíferas privilegiam explorar o deep offshore mais próximo da costa possível, onde acreditam haver os melhores reservatórios de petróleo.

A corrida ao ouro

Focando este último ponto, entre as inúmeras concessões aprovadas ou em perspectiva em Portugal para a prospecção e exploração de petróleo contam-se diversas que terão lugar na região algarvia [para uma listagem de concessões e zonas de interesse consultar infografia nno fim do artigo].

Para Outubro está previsto o início das perfurações em alto-mar, dado este que surpreendeu a região algarvia e que tem suscitado protestos em diversos quadrante políticos e sociais. Em sentido inverso, apesar das expectativas das petrolíferas e dos seus apologistas, o governo PS anunciou no dia 26 de Janeiro passado que não iria avançar com o concurso público para as sete novas áreas offshore na Bacia do Porto e na Bacia do Algarve, anunciadas pelo governo anterior.

Mas nem tudo são boas notícias. O consórcio formado em 2014 pelas empresas Eni e Galp revelou recentemente o início das perfurações para 2016 na Bacia do Alentejo, depois do abandono das concessões pela Petrobras em 2013. Simultaneamente, a Galp desenvolve outros trabalhos no mar Português com a Eni. A zona marítima ao largo do Porto contará com seis concessões: quatro em águas pouco profundas e duas no deep offshore, num processo já iniciado em 2015.

No offshore algarvio estudam-se também os chamados Vulcões de Lama com hidratos de metano, descobertos ao largo da costa portuguesa, entre os Açores e Gibraltar. Situados a 180 km a Sudoeste do Cabo São Vicente a uma profundidade de 4.5 Km, ocupam uma extensão de 15 km. Os cientistas que integravam a expedição do projecto SWIMGLO, uma parceria entre o Instituto Português do Mar e da Atmosfera e várias Universidades dizem “ser uma possível, e muito importante, fonte de energia do futuro”. Defendem também que a descoberta se pode prolongar para oeste e ocupar uma extensão maior do que a actualmente reconhecida.

Luís Pinheiro, coordenador do projecto, esclarece que “o facto de encontramos gás ao longo da zona de falha dos Açores-Gibraltar alarga muito a nossa expectativa de encontrar mais depósitos nessa área”. Esclareceu ainda que a tecnologia para os explorar está a ser desenvolvida para que um dia se possa explorar como “se faz hoje com o gás natural”.

Os riscos a curto prazo destas iniciativas são evidentes. Na Indonésia, em 2006, o maior vulcão de lama do planeta entrou em erupção cuspindo lama a ferver. A erupção continua até hoje mas no seu auge, o desastre que ficou conhecido como Lusi Mud Eruption, levou a que povoações inteiras ficassem soterradas, tendo deixado 40.000 pessoas sem casa ou terras. A empresa petrolífera a operar na região apontou causas naturais mas em meados de 2015 um grupo de cientistas emitiu um comunicado publicado na revista Nature Geoscience, em que afirmava conclusivamente que, com base em leituras e dados obtidos no local, a erupção foi causada pelas perfurações hidráulicas no poço de exploração Banjar-Panji- 1, a cerca de 150 metros do vulcão.

oil02Da mesma forma, o offshore não está também imune a acidentes. Para citar apenas um exemplo de muitos, basta recordar um dos piores acidentes ecológicos de sempre, a explosão da plataforma Deepwater Horizon, da Transocean, operada pela BP no Golfo do México em 2010. Um acidente que causou um tremendo e duradouro impacto ambiental, além de causar 12 mortes e 22 feridos entre o pessoal afecto à plataforma. Para a dimensão do desastre e as dificuldades em pará-lo contribuiu decisivamente a localização da plataforma e a profundidade a que se perfurava. As melhores previsões apontam décadas até que, em condições ideais, o ecossistema local recupere.

Quanto ao Fracking ou Fractura Hidráulica, são inúmeros os problemas documentados associado a esta técnica de perfuração. Apesar da propaganda da indústria, casos de contaminação aquífera, fuga de líquidos à superfície e aumento da actividade sísmica associada à exploração repetem-se.

Vários estudos, entre os quais o mais vasto feito até hoje, publicado na revista Science em Junho de 2015, comprovam a ligação entre o fracking e o aumento da actividade sísmica. Basta referir a título de exemplo que no Oklahoma, estado onde a indústria está fortemente implantada, a média anual era de dois terramotos de magnitude 3 ou superior por ano. Desde a introdução e expansão do fracking os números dispararam: só em 2012 foram registados 538. Para onde quer que olhemos, os acidentes e desastres sucedem-se, a imensa maioria não recebendo qualquer atenção mediática.

Há cerca de dois meses foi detectada uma fuga de metano de grandes dimensões, num poço de armazenamento em Alyson Canyon na Califórnia. É frequente a prática de armazenar gás natural em poços de petróleo esgotados. Essencialmente a estrutura alveolar anteriormente ocupada pelo crude ou gás é novamente preenchida por gás a alta pressão. Estas fugas são notoriamente difíceis de controlar. Neste caso concreto já foram libertadas mais de 1.000 toneladas de metano para a atmosfera, cerca de 22.000m3 ou o equivalente às emissões de todo o estado da Califórnia. As previsões apontam a que possam ser necessários mais dois meses para conseguir selar a fuga. O desastre, que já foi caracterizado como o maior desastre ambiental desde o Deepwater Horizon – o metano é um gás de estufa muito mais poderoso que o dióxido de carbono – já levou à evacuação de milhares de pessoas na região e as autoridades estão em estado de alerta para a presença de outros gases ainda mais nocivos que possam estar a ser libertados em concentrações baixas mas que a médio e longo prazo possam ter graves consequências para a saúde dos afectados.

Apesar destas questões e do consenso científico acerca da necessidade de mudar urgentemente de rumo no que toca à produção energética, alguém como António Costa Silva, presidente da Partex Oil and Gas e um dos principais defensores da exploração de petróleo em Portugal, permite-se considerar que cerca de 40% do petróleo conhecido está ainda no subsolo e, subentenda-se, é preciso arregaçar as mangas. O reverso desta medalha é que é fundamental ter muito claro que técnicas com a fractura hidráulica ou o ultra deep offshore representam uma investida da indústria petrolífera com vista à sua sobrevivência e manutenção, com consequências gravíssimas para todos, a curto e, acima de tudo, a longo prazo. Além de, no caso da primeira, permitir extrair gás de xisto e outros hidrocarbonetos, permitem acima de tudo reabrir poços para extrair o que não era possível com as técnicas convencionas de extracção. É justamente o que estão a tentar fazer em Espanha nalguns poços abandonados, utilizando fractura hidráulica de baixa pressão. Isto corresponde a um padrão marcado na indústria onde o volume de descobertas em novas localizações praticamente estagnou, mas os volumes de produção mantêm um crescimento constante. Já em Portugal, estas técnicas permitem então reavaliar a agora promissora costa portuguesa.

As elites nacionais querem, mais uma vez, lançar-se à descoberta do mar, agora como então sob a máscara do progresso, com vista a uma patriótica independência energética que pouco ou nada trará ao seu povo que não sejam problemas. A última vez que o fez foi actor destacado no genocídio de povos indígenas e na destruição da riqueza cultural e humana que representavam. No séc. XXI as vítimas serão outras. Ao querer descobrir mais do “seu” mar, desta vez irá participar no festival de ecocídio global em curso contribuindo com a destruição de ecossistemas, espaços naturais e selvagens que vão resistindo, com o sacrifício de populações locais, oferendas no altar da exploração e consumo globais. A exploração de petróleo e gás coloca em causa todos os outros recursos que, em condições normais, permitiriam que localmente muitas comunidades fossem auto-sustentáveis e reforça a presença de uma indústria que está a contribuir activamente para a destruição acelerada dos ecossistemas de que todos dependemos, numa altura em que cada vez mais existem alternativas viáveis à sua existência.INFOGRAFIA_final

Texto de Granado da Silva com Guilherme Luz (@guixluz) e Tercero


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Jornal Mapa

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